Encontrei este artigo no blog da Contently, uma das ferramentas mais famosas dedicadas ao marketing de conteúdo, e não resisti à tentação de traduzir esta entrevista de Seth Godin. Caso você queira ler o artigo em inglês, basta clicar aqui.
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Seth Godin é o padrinho do marketing moderno – ou pelo menos do tipo de marketing que todos nós gostaríamos de estar fazendo.
Em 1999, Goin publicou o livro Marketing de Permissão, e, em todos os sentidos, isso foi uma revelação. Em uma época em que Bill Clinton ainda era o presidente dos Estados Unidos, a música “No Scrubs”, do TLC, era o hit número 1 das paradas, e a eToys.com estava prestes a fazer seu IPO, Godin publicou um guia prático de como as marcas poderiam influenciar a incrível conectividade da web para engajar seus consumidores através da permissão deles.
A criação dele era o conceito do marketing de permissão – que postula que o marketing deve ser antecipado, pessoal e relevante em vez de interruptivo – continua a ecoar em todos os brainstorms de marketing ainda hoje.
Marketing de Permissão foi o terceiro livro de Godin. Desde então, ele já publicou mais 19 enquanto postava diariamente em seu blog – que continua na lista de leituras obrigatórias da área – e lançando iniciativas empreendedoras de sucesso como a Yoyodyne e Squidoo.
Eu (Joe Lazauskas) conversei com Godin para saber a opinião dele sobre o presente e o futuro do marketing de conteúdo.
Todo mundo que faz uma entrevista com você, descreve isso como experiência incrível e que muda vidas. Ao que se deve isso na sua opinião? Por que você é um entrevistado tão bom?
Eu não acho que eu tenha mudado a vida de alguém. Às vezes eu acho que as pessoas decidem mudar suas próprias vidas, e se eu puder estar presente de alguma forma quando isso acontecer, esta é uma coisa legal de se fazer.
Por que você acha que consegue influenciar tanta gente, então?
Bom, eu acho que aparecer todos os dias por 10 anos seguidos ou mais dá às pessoas uma noção do que você está tentando realizar. Existe uma linha de pensamento de algumas pessoas que fazem marketing de conteúdo que oferecem coisas para você algumas vezes e, logo depois querem algo em troca. Eu não estou interessado em ter esse “algo em troca” – só estou tentando promover uma mudança no universo da qual todos nós podemos nos beneficiar.
Você oferece muitas coisas: é um escritor prolífico com seus livros, e também no seu blog. Você entende o seu blog como uma forma de marketing de conteúdo para todo o resto que você faz?
Não se você definir “marketing” como o pessoal da velha guarda define, que é uma chance de fazer barulho no mundo para vender mais coisas. Eu defino “marketing” de uma maneira diferente. Muitas pessoas lêem meu blog nunca compraram nada de mim, e não há problema algum nisso.
Mas existe uma enorme obsessão hoje com atrelar conteúdo a algum tipo de receita – em outras palavras, monitorar se as pessoas que estão consumindo seu conteúdo vão, de alguma forma, comprar algo de você, e colocar um número em cada conteúdo que você cria. Você acredita que isto é um engano?
Ah, para mim não há dúvidas de que isto é um engano. Já foi mostrado, por várias vezes, que este modelo está errado – que em um mundo com custo marginal igual a zero, tornar-se confiável é a forma mais urgente de se construir um negócio. Você não constroi confiança se você está constantemente medindo, mexendo e manipulando para que então alguém compre de você.
Eu não vejo problema algum em analisar essas métricas, per se; só estou dizendo que muitas empresas começam a medir coisas, então elas decidem industrializar isso, colocar em um software, e então contratar mão de obra barata para fazer isso.
O desafio que nós temos quando industrializamos conteúdo é que estamos pedindo às pessoas que não se importem em trabalhar com um monte de checklists para fazer seus números subirem, como o extremo oposto de serem seres humanos se conectando a outros seres humanos.
Como uma marca mostraria que se importa com isso? Como você constroi uma infraestrutura onde se tem pessoas que se preocupam em criar conteúdo?
Bem, uma marca não “pode” se importar. Só as pessoas podem se importar. Então se alguém na sua empresa – e não precisa sero CEO – decide que ele prefere trabalhar em um lugar onde se importa, então ele começa a se importar. Eles podem contratar pessoas que se preocupam, podem recompensar essas pessoas, e essas pessoas podem fazer um trabalho que demonstre que eles têm este cuidado.
O que nós descobrimos é que, ironicamente, quanto mais as pessoas se importam, melhor elas se saem quando comparadas aos processos industrializados de um pessoal que não se importa está fazendo isso apenas pelo dinheiro.
Parece que aquele sistema risco/recompensa para esse nível de preocupação está um pouco deturpado para algumas marcas. É muito mais seguro criar um post por semana no blog, ou um post mensal no blog, do que é criar 10 ou 15. Isso porque muitas marcas têm aversão ao risco – se você erra, seu emprego está na reta.
Eu penso que o medo está presente, sem dúvidas. Acontece que, em muitas empresas, é um medo sem garantias, mas nós somos humanos e não conseguimos evitar. O número de pessoas que realmente perderam seus empregos porque elas criaram conteúdo que mostra que elas realmente se importam é bem, bem pequeno. Mas nós acabamos apostando em todo este modelo mental industrialista e agimos como se nossos empregos estivessem em risco.
Aqui está a famosa história de sucesso de marketing de conteúdo do tweet da Oreo durante o Super Bowl. As pessoas contam esta história como se ela fosse a coisa mais sensacional que já aconteceu. Elas se esquecem de que isso precisou de dúzias de pessoas trabalhando duro, quando na verdade deveria ser apenas uma pessoa que amasse Oreos. E, na verdade, isso não fez com que a Oreo vendesse mais bolachas.
Existem tendências constantes e as “modinhas” na internet, e as pessoas sobrevivem aplificando-as. Mas eu penso que marketing de conteúdo industrializado é uma dessas “modinhas”, e isso deve terminar onde todas elas terminam: definhando porque seres humanos são inteligentes demais para ceder a estes apelos.
Você criou o termo “marketing de permissão”. Ele evoluiu da maneira que você esperava desde então?
Eu acredito que fui ingênuo em pensar que este termo permaneceria na intenção de antecipar mensagens pessoais e relevantes. Muitas, muitas corporações usam este termo como uma brecha para enviar SPAM.
O Museu de Arte Moderna (MoMA – Museum of Modern Art) me enviou mais de 18 anúncios em três dias próximos ao Natal de 2014. Agora, eu não acredito que muitas pessoas, por mais que elas gostem de arte moderna, possam querer saber novidades do museu 18 vezes em apenas 3 dias, certo? Mas isso é o que os termos de uso diz, então eles fizeram isso porque algum gerente de marca provavelmente pensou: “Bem, o ano vai ser totalmente diferente antes do Natal acontecer. Poderia muito bem fazer isso; afinal não custa nada”.
O problema é, claro, que isso custa sim. Isso custa reputação e confiança.
Como você acha que um conteúdo que constrói confiança deve ser?
Eu acredito que é humano, é pessoal, é relevante, não é ganancioso, e não joga com as pessoas. Se o destinatário soubesse o que o remetente sabe, ele continuaria sendo feliz? Se a resposta para esta pergunta for “sim”, então este conteúdo vai, provavelmente, construir confiança.
Há alguns anos você disse que “o marketing de conteúdo era o único marketing disponível”. Isso ainda se mantém?
Bem, o tipo de marketing de conteúdo do qual eu estou falando é sobre pessoas falando sobre coisas com as quais elas se importam.
“Marketing”, em 1965, era a mesma coisa do que propaganda. Nós costumávamos chamar isso de marketing, mas era propaganda. Enquanto a propaganda se apagava, tentavam transformar a internet na mesma coisa. O meu argumento é: marketing de conteúdo de verdade não é propaganda disfarçada, é fazer com que algo mereça ser comentado.
A beleza de que a internet é algo que você pode facilmente criar algo incrível, do qual as pessoas falem a respeito e então distribuam para milhares e milhares de outras pessoas sempre me impactou. Mas as marcas têm feito, na maior parte do tempo, um trabalho bastante fraco em construir comunidades em suas mídias digitais proprietárias.
Veja, você está absolutamente certo nisso. Quando eu penso sobre a quantidade de dinheiro que uma empresa como a Gillette gasta, a pergunta é: por que a Gillette não constrói a revista online mais importante para os homens, uma mais importante e maislida do que a GQ ou a Esquire? Porque em um mundo com custo marginal igual a zero, é mais barato do que nunca para se fazer isso.
Ou por que a Random House e Simon & Schuster não criaram um buscador? Porque, afinal, isso não é o que eles queriam fazer: organizar toda a informação do mundo? Eles poderiam ter sido o Google – eles estavam lá, eles sabiam como, e eles escolheram não fazer.
Eu acredito que parte do desafio é que nós precisamos redefinir em qual negócio estamos. Penso que muitas grandes empresas vêm de um mercado em que se deve saber como usar comerciais de TV para construir um produto de mercado de massa, ou saber como construir fábricas para construir coisas medianas para gente mediana. Acredito que nós devemos partir para uma linha diferente de pensamento.
Se você estivesse tentando construir uma mídia proprietária de marca – se você fosse a Gillette – como você a construiria? Você simplesmente daria recursos e liberdade criativa a um grupo de pessoas inteligentes para que elas fossem lá e fizessem conteúdos incríveis?
Acho que a coisa mais importante é ter um escritório que não fique no seu prédio. Eu penso que o que mata as marcas que tentam ser interessantes é ter reuniões nas quais eles não dizem, de fato, aos administradores mais antigos: “Como nós podemos ser mais interessantes?”. Em vez disso, eles dizem “Como nós podemos fazer isso da forma mais segura?”. Não é isso o que acontece qundo você quer fazer um programa de TV decolar ou um site que as pessoas se importem. Você precisa de editores, não de gerentes de marca, que vão empurrar o envelope para fazer as coisas irem para frente.
Então, um caminho fácil de se fazer isso é colocar pessoas em um escritório que fique a alguns quarteirões de distância, visite-os uma vez por mês e dê a eles métricas que realmente signifiquem algo – nada sobre pageviews, mas algo substancial. E dê a eles recursos – não muitos, mas o suficiente – para que façam um trabalho que realmente importe.
Quais métricas você acha que medem o fato de você estar fazendo um trabalho que realmente importe?
Eu acho que o único que me é relevante é: as pessoas vão sentir falta de você se você sumir derepente?
Esta é realmente muito boa. Existe alguma forma específica de se medir isso?
Nós temos muitas pessoas que são boas em estatística e pesquisas. É muito fácil inventar uma forma de se fazer uma análise de intenção, como interpretar o que as pessoas dizem sobre você, e como perguntar isso a elas. Uma vez que você tenha criado algo de que as pessoas sintam falta, digamos, Harley Davidson, é bem fácil de imaginar.
Penso que o seu blog certamente se enquadra como algo que as pessoas sentiriam falta, e parte disso é porque você é um escritor tão prolífico. Qual é o seu segredo?
Eu não tenho um segredo. Eu só escrevo como eu falo. Eu penso praticamente como qualquer um poderia, mas muitas pessoas não são empenhadas o suficiente no nosso mercado. Você sabe, eu escrevi por três ou cinco ou dez anos, dependendo da maneira que você mede, com quase ninguém lendo meu trabalho.
Se você aparece – da mesma forma com que nós ficamos bons em caminhar, do mesmo jeito que ficamos bons em falar – você fica bom nisso.
Vamos voltar um pouquinho no assunto da redação ideal para uma marca – ou qualquer outro nome que você queira dar a isso – onde você coloca as pessoas em um escritório e lhes dá liberdade de criação. Isso parece meio que impossível para muitas marcas neste momento, simplesmente porque não há muita iniciativa em prol do conteúdo dentro das organizações.
Como os profissionais de marketing que concordam com a sua visão convencem as pessoas a fazer este tipo de comprometimento?
Acho que se você quer continuar choramingando sobre a queda da propaganda tradicional e o stress que os varejistas estão sendo expostos, de todas maneiras, sinta-se à vontade. Se você quer encontrar uma saída desse atoleiro, você provavelmente terá de fazer algo que é desconfortável, que é organizacionalmente difícil, e pior de tudo, que é amedrontador. E eu não sei como lhe dizer como fazer isso, a não ser destacar que isso poderá ser amedrontador.
Algum conselho em pontos de diálogo que nós, do marketing, podemos usar – talvez algumas frases para pensarmos?
Sim, veja, eu não acho que é por isso que eles não estão fazendo. Eu não acho que nós podemos pleitear, argumentar e debater nossa vontade neste ponto. Meu novo livro, What to Do When It’s Your Turn (O que fazer quando é a sua vez), fala sobre como o fato do que nós somos pagos para fazer nos expõe ao medo. Este é o nosso trabalho. Se as pessoas para as quais trabalhamos não estão dispostas a isso, então talvez devêssemos trabalhar em outro lugar.
Este é um bom conselho. Você fala muito sobre produzir arte. Você acredita que as marcas podem produzir arte?
Eu acredito que humanos em quase todo tipo de trabalho podem produzir arte. E por arte me refiro ao ato humano de fazer algo que nos conecta a outra pessoa. Nós vemos grandes marcas, que não são nada mais do que seres humanos fazendo coisas sob o mesmo nome, fazendo coisas que se parecem com arte todo o tempo. Não precisa ser um bem luxuoso, não precisa ser um bem físico. Se é algo que nos faz prestar atenção e perceber é por que nos importamos, isso provavelmente se enquadra comoa algum tipo de arte.
Isso é realmente interessante, a ideia de que a assinatura de uma marca não ofusca o trabalho que você faz. É assim que isso é mostrado na mídia.
A palavra “marca” é problemática. O Bob Dylan é uma marca? Bob Dylan já foi uma empresa de multiplos bilhões de dólares nos últimos 40 ou 50 anos. É a Apple sob o comando de Tim Cook uma marca, ou é o trabalho de uma meia dúzia de líderes se esforçando para fazer alguma coisa da qual eles se orgulhem?
Onde nós colocamos os limites? Se estamos falando de uma coisa grande, impessoal, insensível, empresas historicamente conhecidas por empacotar bens, sim, vai ser bem difícil para eles encontrarem um caminho para a sua reputação. Mas eu não acho que isso é impossível.
Existe aí uma espécie de paralelo com o debate sobre ética e méritos da publicidade nativa. Como você se sente a respeito de conteúdo patrocinado?
Existem dois tipos de conteúdo nativo: tem o conteúdo que eu quero ler e o conteúdo que eu não quero ler. Se você está colocando conteúdo que eu não quero ler na minha frente, não interessa o quanto você pagou por ele – eu provavelmente não estarei feliz.
Como você acha que a “economia conectada” irá evoluir nos próximos cinco anos?
Sabe, parte do desafio desta busca pela “próxima grande novidade” é que ela tira nossos olhos desta grande novidade. Acho que nós veremos mudanças que vão nos atordoar e supreender, e eu não estou certo de que isso importa. Penso que provalvelmente nós não iremos querer esperar pela próxima novidade, por que a novidade que nós temos agora é realmente importante.
Qual é a grande novidade agora?
Bem, pela primeira vez na história da humanidade, qualquer ser humano com mais ou menos 100 dólares tem a mesma habilidade que qualquer outros bilhões de pessoas que estão online. Nós podemos nos conectar a outras pessoas que estão fora da nossa região geográfica e nós temos a oportunidade de fazer um trabalho ótimo, e fazê-lo de forma que cause impacto.
Eu acho que isso é incrível, e eu não poderia imaginar algo mais positivo ou mudança tão grandiosa na nossa cultura do que a que estamos exatamente agora.
Última pergunta, e é uma pergunta que eu faço muito: quem é o seu mago favorito?
Uau. Confesso que ninguém nunca me perguntou isso antes. Acho que existem muitas razões para que o Mágico de Oz seja o meu mago favorito, mesmo que você tenha ouvido muito esta resposta. Eu posso falar disso por horas!
Eu adoraria ouvir a sua opinião sobre isso.
Bem, a coisa mais importante sobre este filme, é que é um dos únicos filmes já feitos em que o herói – a pessoa que toma boa parte das decisões, a pessoa que propaga a ação a diante, e a pessoa que demonstra mais coragem – é uma garota. Isso é incrível para mim como isso é tão raro de acontecer. Isso foi em 1939 e nós continuamos falando sobre como, há 75 anos, colocar uma mulher nessa situação foi importante.
O segundo fato que eu diria é que se você ler a versão comentada de Martin Gardner do livro, você fica sabendo de uma grande quantidade de fofocas, o pano de fundo do mago, e seus posicionamentos. Acho que a redenção dele no final do filme é extraordinária. É muito, muito raro que nós encontremos seres humanos que estão dispostos a admitir, dizer “Sabe, eu estava errado. Mas eu vou fazer a coisa certa agora”.
Esta entrevista foi editada e condensada.
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E então? Está se sentindo tão inspirado quanto eu? Fantástico! Conte para a gente a sua opinião!